segunda-feira, 20 de julho de 2020

Cântico

Apalpa-me não só o que te pompeia,
não sou tua sereia, sou todo seu mar.
Não só com meu canto incendeia,
É grande o oceano, aprendi a nadar.

E com arroubo versejo meu cântico.
És meu pescador, sempre ei de cantar.
Mas quando os anzóis me fisgarem,
machuca-me a carne, não perdure o pescar.

Pois como és o mesmo oceano, és meu desatino:
Infindo castigo que tudo faz se afogar.

Meu pesar é mesmo de seu tamanho, não puderas ser pouco.
Há de me encontrar...

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Espera

Temei o tempo como espera-o ir
Temei o vento enquanto pudera sorrir

Fosse forte ou fraco, eras sempre o mesmo
Era produto do que criaram
Fruto do que calaram
Fosse forte ou fraco, eras apenas parapeito

Tomou contigo a dor de não partir
Uma dose de saliva, seguia na língua, a se despir

Fosse isso ou aquilo, sabias o que era ali
Era produto do que falaram
Fruto do que julgaram
Fosse isso ou aquilo, devem apenas digerir

terça-feira, 24 de julho de 2018

Para comparação

Do solo és fértil
Aquilo que te completa.
Não compare-as, profunda:
Uns são folha, outros pétala.

Do cultivo que invade
O término do lamento,
Dura pouco o plantio.
Uns cativam, outros espetam.

Mas diz-se a curva:
O que cai no solo - o vento...

És poeira, vento curto.
Fica só ao meu relento.

sábado, 11 de novembro de 2017





Aperto na boca que abafa o guincho
O cativo  oculta o peito estranho 

Do peso da palavra

Do pai, avô, senhor
Da definição que tem de lar

Pula corda com nó, desatino

Trança que balança no ritmo

Do medo do escuro

Do preto, breu, véu
Da vítima conformada do lar

Tua carne dura de açoite

O cérebro atulha de esboço



Cru o vermelho-seiva do âmago

Menino verde, maduro do estranho

Dos monstros da rua

Do pai, avô, senhor
Da definição que tem de lar


Grilhão empunha no leito

Trança que arrasta na cadência

Do medo do mudo

Do cego, do surdo, do impuro
Do servo que compunha o modelo da pátria




quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

O Bosque que Fala


Regressou esfalfado à portinhola da vizinha
Que dava de cara num pequeno jardim
Infestado de pragas, um horror.
Necessitava de águas limpas, de novas cores.
Tinha cuidado, tinha afago.
Não tinha bebida, não tinha almofada.
Mas ninguém naquele bosque ousava entrar.
Acreditavam nas crenças de que, quem pisasse
em seus ramos verdejantes,
Pomos dão irão lhe sucumbir.
Puseram-se a prosear pela falta da vida
Domada pelo bosque maldito a que nenhum
ser habitava.
Povaréu se reunia na cidade,
Lamentar pro precito coronel que dizia aquilo
tudo mudar.
Mas não mudou.
Mudou suas terras, seco,
Molhou com a chuva os seus pés.
E no bosque maldito só fazia brotar de seu café
E gretar os corações do povaréu que, debalde,
abriam a boca.

sábado, 10 de outubro de 2015

Pingo mudo

Dai-me tempo, temporal!
Água cai, relógio vai.
Indo, ia pontual...

Dai-vos lento, casual.
Falácia do dia-a-dia:
Água corria, ela ia !

Dai-me chuva, chuva muda,
Muda chuva, água pura.
Tornar ia o tempo temporal.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Vou ar

Brisa mansa, voava
Subia ao ar, levitava
Tinha na mão o feixe
de encaixe ao pôr do sol

Ar cansado, vento casto
Algodão de luzes no mar
Súbita, deixou-me muda
mas ao ouvi-lo ar, não surda

Toca bandola, menina viola
Vento és, pois não posso tocar